Mais uma vez, um ex-presidente da República é preso com o aval da Justiça. E, como era previsível, os apoiadores reagiram com veemência. No Brasil, parece que a prisão de líderes políticos virou um gatilho automático para a histeria coletiva — à esquerda e à direita. A narrativa se repete: é sempre uma prisão "arbitrária", "ilegal", "politizada". Mas o problema é mais profundo. A judicialização da política nos últimos 20 anos, aliada ao espetáculo midiático dos julgamentos televisionados e editados à perfeição para o Jornal Nacional, nos trouxe até aqui: uma democracia refém de seus próprios poderes.
![]() |
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) reassume a Mesa Diretora após negociação com a oposição - |
Enquanto o povo era jogado contra si mesmo, com ódio e polarização, a corrupção sistêmica nos governos liderados — direta ou indiretamente — pelo Centrão corroía as instituições por dentro. Resultado? Um Congresso que não consegue legislar, um Executivo que judicializa decisões básicas, e um Judiciário mais politizado que o próprio parlamento. A democracia brasileira está sitiada, encurralada entre a descrença popular e os interesses de seus próprios guardiões.
No caso mais recente, Jair Bolsonaro enfrenta punições severas — e inéditas — impostas pelo ministro Alexandre de Moraes. Até ontem (06/08), o ex-presidente estava proibido até mesmo de ter contato com familiares, como parte de uma prisão domiciliar imposta por envolvimento em uma trama golpista ainda em investigação. Não se trata mais de um embate jurídico: trata-se de um embate de poderes, e de versões. O STF, até então unido, continua sustentando as decisões de Moraes, mesmo após alguns de seus ministros terem sido sancionados pelo governo dos Estados Unidos — também sem precedentes.
A aplicação da Lei Magnitsky a ministros do Supremo por parte do governo americano é, no mínimo, uma interferência descarada na soberania nacional. A retórica de que se trata de uma defesa da "democracia" soa tão hipócrita quanto a política externa que a sustenta. Não é diferente do que já fizeram com a Rússia, a Venezuela e qualquer país que contrarie os interesses dos Estados Unidos. "Democracia", para eles, é sinônimo de alinhamento. O resto é tratado como ameaça — e punido no bolso, com sanções a magistrados e familiares, bloqueios bancários e proibição de entrada em solo americano. Balela travestida de princípios.
E como se o caos não fosse suficiente, nesta madrugada — enquanto este texto é escrito — Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, finalmente retoma os trabalhos da Casa após mais de 30 horas de obstrução. A paralisação foi liderada por cerca de 100 parlamentares bolsonaristas, entre deputados e senadores, exigindo uma anistia ampla, geral e irrestrita para os vândalos do 8 de janeiro — um atentado à República disfarçado de "protesto patriótico". Ali, a democracia foi testada. E quase tombou.
Nos próximos dias, a bizarrice da vez será acompanhar um placar simbólico, mas sintomático: o número de senadores da República que apoiam o impeachment de Alexandre de Moraes. Até o momento, 41 deles já se manifestaram publicamente a favor da cassação do ministro — o mais combatido de toda a história da nossa República.
Se Moraes permanecerá no cargo ou se Bolsonaro será libertado, ninguém pode prever. O que é possível afirmar, com segurança, é que estamos mergulhados em um ciclo vicioso de instabilidade, onde cada poder da República tenta vencer pelo grito, pela toga ou pelo clamor das ruas — quase nunca pela via institucional e legítima da política.
É política. É o Brasil do Brasil. E a pacificação, se ainda for possível, exigirá muito mais do que um pacto entre líderes: exigirá uma reconciliação nacional com a verdade, com a ética e com a democracia — a real, não a de conveniência.
Comentários
Postar um comentário